No 19º Encontro da Sociedade Brasileira de Lógica, que aconteceu em João Pessoa, entre os dias 6 e 10 de maio de 2019, a Sociedade Brasileira de Lógica (SBL) abriu pela primeira vez um espaço em sua programação para discussões sobre a presença de mulheres e a variedade de desafios que elas enfrentam na área de Lógica, especialmente no Brasil.

 

Valeria de Paiva (que escreveu um breve relato sobre o evento em inglês aqui), Elaine Pimentel, Claudia Nalon e eu participamos de uma mesa redonda intitulada "Mulheres na Lógica (no Brasil)", em uma sala cheia de rostos curiosos – a maior parte de jovens pesquisadores bastante abertos ao que tínhamos a dizer.

 

Durante os primeiros minutos, falei sobre o contexto e as principais motivações para a realização da mesa-redonda: a baixa presença de mulheres em STEM (sigla em inglês para a grande área de Ciências, Tecnologia, Engenharias e Matemática) e, em particular, no campo da lógica; algumas barreiras como a "inclusão por segregação" e, é claro, a ideia de que podemos agir para mudar este infeliz estado das coisas. Como o público não era composto apenas por filósofos, iniciei fornecendo algumas informações sobre como apenas recentemente a comunidade filosófica brasileira despertou de seu longo sono dogmático sobre questões relativas a mulheres. Meu ponto principal, no entanto, foi apresentar algumas ideias sobre como quebrar o “ciclo de expectativas antilógicas” em torno da lógica no contexto do ensino de filosofia no Brasil - envolvendo não somente o contexto do ensino médio, mas também cursos de graduação e pós-graduação. Dadas algumas limitações de tempo, minha intervencão foi dividida em duas partes; logo após esta primeira, Valéria iniciou sua participação por uma vídeo chamada.

 

Valeria começou falando sobre sua experiência como estudante e pesquisadora, e depois apresentou os dados coletados por Orna Kupferman sobre a presença de mulheres na Lógica dentro da Ciência da Computação. Depois de mostrar também alguns dados coletados por Claudia Bauzer e Celina Figueiredo sobre a diminuição da presença de mulheres na Ciência da Computação, bem como a distribuição de bolsas do CNPq entre mulheres e homens, Valeria apresentou algumas iniciativas com o objetivo de mudar essa realidade. Como vocês sabem, Valeria,  idealizadora do projeto Women in Logic – um Workshop (a terceira edição estava prestes a acontecer no Canadá, e a quarta ocorreu virtualmente no início de julho), um blog e um grupo do Facebook, que ela descreveu com entusiasmo, especialmente com relação às consequências positivas do projeto. 

 

Por outro lado, o final da contribuição de Valeria continha um certo ceticismo (a meu ver saudável), uma vez que ela listou uma série de desafios que ainda precisamos enfrentar para criar um ambiente mais igualitário do ponto de vista do gênero no campo da lógica. Sua lista incluía 

• a proposição de um modelo para envio de cartas aos comitês organizadores, lembrando-as de convidar mulheres como conferencistas e palestrantes;

• a necessidade de uma atualização em nossas listas de mulheres no campo ao redor do mundo, o “problema da Wikipedia” (o fato de que A Wikipedia não lista muitas mulheres lógicas, matemáticas e filósofas que realmente conhecemos);

• a falta de memória coletiva sobre as mulheres no campo em geral (eu gostaria de acrescentar: ainda não temos um bom histórico de mulheres lógicas!)

• a necessidade de articulação com grupos semelhantes em outros campos e também a urgência da pesquisa coletando dados sobre nós mesmos. 

 

A terceira contribuição foi feita por Elaine Pimentel, cujo foco era a presença de mulheres na matemática no Brasil e como combater as disparidades no campo. Começou apresentando os dados sobre a distribuição das bolsas do CNPq e, em seguida, apresentou o projeto "Meninas em Matemática", que recentemente recebeu uma bolsa do CNPq. O principal objetivo do projeto é estimular as meninas do ensino médio a conhecer melhor e mais matemática, incluindo a presença de mulheres em sua história e prática atual, a fim de aumentar sua participação na área. – Todos esperamos que o projeto floresça, Elaine! Antes de terminar sua palestra, Elaine também listou algumas iniciativas da comunidade matemática brasileira, como o Encontro Brasileiro de Mulheres Matemáticas e a plataforma (e ações relacionadas) Matemática: substantivo feminino.

 

Claudia Nalon foi a próxima a falar sobre mulheres em Inteligência Artificial, especialmente a Dedução Automatizada, uma importante junção à lógica.

 

Para concluir nossa apresentação, falei novamente, desta vez sobre a necessidade de repensar nossas estratégias para ensinar lógica como uma das principais maneiras de mostrar que mulheres podem fazer lógica tanto e tão bem quanto homens e, consequentemente, ter direitos iguais para viver e trabalhar no mundo da lógica. Fiz então uma descrição muito breve de duas experiências de “empoderamento lógico” de estudantes do ensino médio realizadas em Porto Alegre há alguns anos (por algumas ex-alunas de licenciatura em filosofia da UFRGS)  e, finalmente, apresentei algumas questões que elaboramos juntos para iniciar uma conversa com o público, o que foi ótimo:

 

 

- Quais as melhores maneiras de engendrar mais participação de colegas mulheres em nossa causa?

- Como instigar mais pesquisas sobre os aspectos pedagógicos da lógica?

- Como estimular a produção de materiais pedagógicos mais interessantes (inclusivos – e não apenas pensando em termos da categoria “gênero”, mas também de raça, etnia e classe?)

- Como lidar com a falta de sensibilidade para problemas de gênero em nosso campo (com colegas que nem sabem que suas ações são problemáticas, para dizer o mínimo)?

- Como convencer colegas professores a reformular seus programas de curso, a fim de incluir o trabalho de mulheres lógicas, mostrando os resultados originais das de suas pesquisas – e, consequentemente, oferecendo mais modelos para os estudantes?

- Como convencer os comitês organizadores a prestar atenção às disparidades de gênero?


Os slides podem ser acessados aqui.

 

Vale notar que nossa proposta de mesa redonda, realizada alguns meses antes do evento, foi imediatamente aceita pelo Presidente da EBL, Cezar Mortari; e que tanto durante a Assembleia da SBL quanto durante a plenária durante a plenária final do evento foram realizadas diversas intervenções louvando e solicitando a cintinuidade de iniciativas como esta, e a de incluir tópicos de pedagogia e didática da lógica em encontros futuros. Outra boa notícia foi a aceitação da proposta de Wagner Sanz, a saber, a criação das Conferências Ítala D’Ottaviano nos encontros futuros da SBL.

 

Todas ficamos felizes por esta oportunidade e acreditamos firmemente na continuidade desse apoio nas empreitadas futuras, como o nascimento deste blog.


Desejamos que ele seja um veículo para a divulgação de iniciativas de ensino e pesquisa em lógica - em todas as áreas nas quais ela é da mais fundamental importância - e história da lógica. Para que mais mulheres a pratiquem é preciso que saibamos que, de fato, há muito já o fazem, embora as histórias oficiais disso não nos falem.



Na foto, um slide com fotos da lógica brasileira Carolina Blasio (in memoriam), 
homenageada durante o evento.




Comentários

  1. Gostaria de pedir um trabalho robusto das Lógicas Brasileiras sobre o período de julho de 2019 até abril de 2021, fundamentado na deôntica de Lourival Vilanova, na filosofia quântica, nas lições do Professor Goffredo, em seu Direito Quântico, nas lições de Miguel Reale, tridimensionalidade do direito (seria um triedro de Frenet), nas lições das mulheres lógicas brasileiras Luzinete Cristina Bonani de Faria e Andréa Santos Leite da Rocha, que teriam levantado fortes evidências no sentido de serem os "vírus" códigos corretores de erros biomatemáticos!

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